A CNEN e o Retorno dos Invasores de Corpos
Viajar de avião é, a cada ano que passa, uma experiência pior. Os preços aumentam constante e intensamente e cobra-se separadamente a cada ideia que as empresas possam ter para obter mais dinheiro dos passageiros. Os procedimentos de segurança nos aeroportos são cada vez mais inconvenientes e os passageiros têm menos conforto e privacidade. Quiosques e máquinas de autoatendimento são usados para tudo, substituindo serviços humanos. Esteiras de bagagem soltam malas da altura de um andar as quebram. Sistemas de reconhecimento facial obrigatórios em substituição a cartões de embarque que não revelam o que fazem com sua foto ou por quanto tempo a mantêm depois de tirá-la.
Quando uma novidade ruim aparece em outros países, algum órgão decide anos depois que é hora de trazê-la ao Brasil também.
A Consulta Pública
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é o órgão governamental brasileiro responsável pela orientação, planejamento, supervisão e controle do programa nuclear do Brasil.
Na segunda-feira passada, a CNEN abriu uma consulta pública no sentido de permitir e regular o uso para fins de segurança pública de scanners corporais que usam radiação ionizante.
Tais máquinas têm sido usadas em alguns países, incluindo os Estados Unidos, não sem muitas controvérsias quanto à sua falta de eficácia, invasividade e riscos à saúde.
O que são os scanners corporais
Tecnologias de scanners corporais para revista de segurança frequentemente usam algum tipo de radiação que penetra as roupas e capturam reflexos na superfície da pele para gerar uma imagem do corpo. Como as roupas são transparentes para a radiação, as imagens do corpo que elas geram são muito semelhantes ao que a pessoa aparentaria se estivesse nua.
O propósito alegado para tal equipamento seria encontrar itens escondidos sob as roupas, tais como armas. Eles são por vezes empregados em locais onde revistas de segurança são exigidas, tais como em aeroportos.
Os scanners normalmente lembram uma pequena sala ou plataforma, onde a pessoa precisa ficar de pé em um local designado no centro e é instruída a levantar os braços durante o procedimento.
Tipos de scanners
Há duas categorias principais entre os scanners corporais empregados em aeroportos: retrodifusão de raios-x e scanner de onda milimétrica. O primeiro usa radiação ionizante e o segundo um tipo de microonda, que é radiação não ionizante. O primeiro constrói uma imagem bidimensional do corpo, ao passo que o segundo constrói uma imagem 3D. Ambos aoresentam diferentes níveis de riscos à saúde e questões de privacidade.
Menos comuns que esses são os scanners de transmissão de raios-x que usam uma dose mais alta de radiação penetrante que atravessa o corpo humano e é capturado por uma matriz de receptores. Como um raio-x medicinal, esses scanners mostram dentro do corpo, por isso são capazes de mostrar objetos escondidos em cavidades corporais ou que tenham sido cirurgicamente implantados. Eles foram supostamente empregados em Gana e na Nigéria e são a política oficial de revista de segurança em alguns sistemas prisionais. Devido à alta dose de radiação, esse tipo de scanner é também aquele que mais oferece riscos à saúde da pessoa que está sendo revistada. Nessas situações, normalmente a lei exige que seja registrada a dose cumulativa anual aplicada a cada indivíduo, proibindo a exposição acima de certo limite.
Há também scanners corporais baseados em coletar passivamente a luz infravermelha emitida pelo calor do corpo, que é bloqueada por armas escondidas sob as roupas. Esse tipo de scanner normalmente não exibe as partes íntimas do corpo e aparentemente estavam sendo testadas em 2019 em uma estação ferroviária em Londres. Como esse tipo de scanner corporal não emite radiação, ele é geralmente considerado seguro quanto a questões de saúde. Eles são similares às câmeras de imagens térmicas que foram usadas para tentar detectar o estado febril em passageiros como uma tentativa de deter a transmissão da Covid a partir de 2020. Apesar deles não terem sido eficazes para esse propósito em particular, eles poderiam ser uma opção mais segura para as revistas de segurança, em relação à saúde e à privacidade.
A proposta da CNEN não menciona nenhum desses tipos, mas considerando que ela se regulamente somente a equipamentos com radiação ionizante, só podemos deduzir que eles pretendem uma das alternativas:
- permitir que os antigos scanners corporais de retrodifusão de raios-x venham para o Brasil, ou
- permitir o uso de scanners corporais de tranmissão de raios-x no Brasil, ou
- estão dispostos a permitir que os fornecedores usem o Brasil como piloto de testes para experimentar com novos tipos de scanners que usam radiação ionizante,
ou talvez todas as acima. De qualquer forma, como veremos a seguir, scanners que usam radiação ionizante são claramente os que apresentam os maiores riscos à saúde.
Histórico nos aeroportos
Scanners de corpo inteiro começaram a ser empregados nas verificações de segurança em aeroportos nos Estados Unidos e no aeroporto de Schiphol nos Países Baixos no final dos anos 2000. A justificativa alegada era em resposta ao atentado fracassado do natal de 2009 do Voo 253 da Northwest Airlines, que felizmente foi evitado por passageiros que reagiram ao criminoso. Como veremos adiante, segundo especialistas em segurança, a disposição dos passageiros em revidar é um dos fatores chave que deixam os voos mais seguros hoje.
Ao passo que os EUA usavam inicialmente os scanners de retrodifusão de raio-x da marca Rapiscan, os Países Baixos usavam desde o início scanners de onda milimétrica da marca SafeView. Mais tarde os EUA viriam a abandonar os scanners de nudez da Rapiscan depois do fabricante fracassou em torná-los “menos expostos” e desde então têm usado também os scanners de onda milimétrica. Esses scanners corporais mais novos também calham de ter um software que analisa a imagem de nudez automaticamente e cria uma figura de um boneco. Os agentes de segurança supostamente só veriam essas figuras, as quais indicam locais no corpo do passageiro para que passe por revistas adicionais. Entretanto, como veremos, mesmo esse tipo de scanner corporal teve seu próprio quinhão de controvérsias.
A despeito de todas as controvérsias, os EUA supostamente forneceu a Gana e à Nigéria scanners corporais de alta dose que mostram dentro do corpo assim como um raio-x medicinal. A ética desse tipo de prática foi questionada por muitos, incluindo a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês).
Em alguns lugares, pode-se optar por não usar um scanner de corpo inteiro (exceto, pelo que foi noticiado, na Austrália) e em vez disso receber uma revista manual. Nos Países Baixos, isso significa apenas uma revista normal, não intrusiva. Nos EUA, contudo, desde 2010, as pessoas que optam por não usar as máquinas recebem uma “revista manual intensificada” que tem sido descrita como similar a uma agressão sexual, pois envolvem ter suas partes íntimas apalpadas por um agente de segurança.
Ineficazes e caros
O renomado especialista em segurança Bruce Schneier frequentemente afirma que somente duas coisas tornaram voar mais seguro desde o 11 de setembro: portas da cabine de aço reforçadas e ensinar aos passageiros que eles precisam reagir. Muitos anos se passaram desde que as medidas de segurança em aeroportos foram intensificadas e, observando os resultados dessas medidas, ele afirma que os atuais procedimentos adicionais de segurança nos aeroportos são um desperdício de tempo e de dinheiro, sem com isso prover segurança adicional. Ele afirma que os procedimentos deveriam ser reduzidos de volta aos níveis pré-11 de setembro. Mas por quê?
Para começar, ele argumenta que muitas das medidas de segurança são eficazes em conter atacantes tolos, mas não são tão eficazes em parar atacantes inteligentes:
Os terroristas inteligentes, que são muito raros, serão capazes de contornar seja o que for que implementarmos, ou escolherão um alvo mais fácil. Os terroristas burros, que são mais comuns, serão impedidos por quaisquer que sejam as medidas que implementemos.
Há amplas evidências da ineficácia dessas medidas de segurança ao longo dos anos.
Schneier postulou o termo “teatro da segurança” para a prática de tomar medidas de segurança ineficazes, pelo único propósito de acalmar o público, em vez de, de fato, prevenir ou deter ameaças reais.
Segundo ele, os scanners corporais são um exemplo do tal teatro da segurança. De fato, houve diversos episódios em que a tecnologia de scanners corporais foi ludibriada e pessoas foram capazes de passar pelos pontos de segurança com armas escondidas. Em novembro de 2011, um grupo de pesquisadores publicou um artigo no Journal of Transportation Security que
sugere que terroristas poderiam enganar as máquinas Rapiscan e outras semelhantes que usam a técnica de “retrodifusão de raios-x”. Um terrorista, diz o relatório, poderia adesivar um fino filme de explosivos de cerca de 15-20 cm de diâmetro à sua barriga e passar sem ser detectado pelas máquinas.
conforme reportado pela revista Wired. Scanners de onda milimétrica não são de maneira alguma mais eficazes. Em 2012, o cientista da computação, advogado de direitos civis e blogueiro Jonathan Corbett publicou um vídeo que se tornou viral que demonstrava a ineficácia das máquinas ao
mostrar como ele foi capaz de passar com uma caixa de metal por scanners de retrodifusão de raios-x e de onda milimétrica em dois aeroportos nos Estados Unidos. Em abril de 2012, Corbett publicou um segundo vídeo entrevistando um agente da TSA, que relatou que armas de fogo e explosivos simulados passaram pelos scanners durante testes e treinamentos internos.
De fato, a CNN reportou que a Administração de Segurança no Transporte (TSA, na sigla em inglês) havia falhado em detectar ameaças em testes de revista 95% das vezes. Schneier explica que
Para aqueles de nós que temos observado a TSA, o número 95% não foi muito surpreendente. A TSA tem fracassado nesse tipo de testes desde a sua concepção: falhas em 2003, uma taxa de 91% de falhas no aeroporto internacional Newark Liberty em 2006, uma taxa de 75% de falhas no aeroporto internacional de Los Angeles International em 2007, mais falhas em 2008. E esses são somente os resultados públicos de testes; tenho certeza de que há muitos e igualmente tenebrosos relatórios que a TSA manteve em segredo por constrangimento.
E isso é ainda mais chocante quando se considera que esses scanners custaram US$ 150,000 por unidade em 2008 (de acordo uma reportagem da Politico) que, quando corrigidos pela inflação para valores de hoje seriam algo como US$ 208,000. Em moeda nacional, a soma passaria de um milhão de reais por cada. Isso é uma imensa quantia de dinheiro que, se a CNEN seguir com a sua proposta, seria apenas um imenso desperdício de recursos.
E para onde vai todo esse dinheiro desperdiçado? Nos EUA houve pelo menos um caso reportado de conflito de interesses, em que o indivíduo que era responsável pelo departamento que licitou essas máquinas também estava lucrando com elas em sua empresa particular. O caso foi até mesmo repreendido pelo Senator Ron Paul (Rep.-TX) no plenário da Câmara dos EUA:
Michael Chertoff! Quero dizer, ele é o cara que presidia a TSA, vendendo o equipamento. E o equipamento é questionável. Nós nem mesmo sabemos se ele funciona, e pode muito bem ser perigoso para a nossa saúde.
A pressão pela adoção da tecnologia sempre foi puxada por lobistas empresariais. O súbito interesse em trazer essas máquinas para o Brasil nos faz pensar sobre os interesses de quem estariam por trás da ideia.
Eventos recentes no Brasil têm feito muitos repensarem a noção de que o país costumava se situar longe das preocupações com o terrorismo que permeiam o norte global pelos últimos 20 anos. Alguém poderia olhar para essa ameaça e ser tentado a justificar o emprego de scanners corporais para intensificar a segurança e prevenir ameaças como o atentado fracassado próximo ao aeroporto internacional Juscelino Kubischeck em Brasília em 23 de dezembro de 2022, praticado pelo mesmo grupo que realizaria, duas semanas depois, à tentativa de golpe e depredações às sedes dos três poderes.
Todavia, a tentativa de atentado foi executada fora das dependências do aeroporto e, como acima demonstrado, mesmo se fosse perpetrada dentro do aeroporto, os scanners corporais não teriam sido úteis para impedi-la de qualquer forma. Assim, esse caso definitivamente não é um argumento válido a favor de se justificar trazer os scanners corporais ao Brasil.
Questões de saúde e tipos de radiação
Conforme explicado anteriormente, os dois tipos de scanners corporais mais comuns são os de retrodifusão de raios-x, que usam radiação ionizante, e os de onda milimétrica, que usam radiação não ionizante.
A radiação ionizante é um tipo de radiação que tem energia suficiente para remover elétrons dos átomos e moléculas, criando íons. Esse tripo de radiação inclui os raios gama, raios-x e a luz ultravioleta. Radiação ionizante pode causar danos a tecidos vivos, incluindo mutações de DNA e câncer. Ela também é usada em tratamentos médicos tais como radioterapia e em processos industriais.
A radiação não ionizante, por outro lado, não tem energia suficiente para remover elétrons dos átomos ou moléculas. Esse tipo de radiação inclui ondas de rádio, microondas, luz infravermelha e luz visível. Ela não causa o mesmo tipo de danos que a radiação ionizante, mas pode ainda assim ser nociva se a exposição se der por longos períodos de tempo. Ela pode causar queimaduras na pele, danos aos olhos e outros problemas de saúde. É usada em muitas aplicações do quotidiano como telefones celulares, redes de Wi-Fi e ondas de tv.
A principal diferença entre a radiação ionizante e não ionizante é a quantidade de energia que elas contêm. A ionizante tem mais energia que a não ionizante e, portanto, apresenta um risco maior à saúde. Já a radiação não ionizante não tem o mesmo nível de risco, mas mesmo assim ainda pode ser perigosa se a exposição for por tempo prolongado ou em alta intensidade. Em 2011, a Organização Mundial da Saúde (OMS) acrescentou os campos eletromagnéticos de radiofrequência incluindo as microondas e as ondas milimétricas, tais como as usadas nos scanners corporais, ao rol de coisas que podem potencialmente causar câncer em humanos. A classificação se deu no contexto de avaliar os riscos associados com o uso frequente e intensivo de telefones celulares, mas se aplica a todas as ondas de radiofrequência.
Desde que os EUA abdicaram dos scanners corporais de retrodifusão de raios-x em seus aeroportos, mal se podia observar esse tipo em outros locais do mundo. Entretanto, é exatamente esse o tipo de scanner corporal que a CNEN pretende introduzir no Brasil.
Para a exposição a radiação ionizante, a unidade de medida é o Sievert. Nos EUA, há uma dose efetiva máxima permitida para cada exposição. Os scanners corporais não podem ultrapassar os 250 microsieverts. Todavia, a norma que a CNEN propõe não estabelece nenhuma dosagem máxima permitida.
Mesmo se considerando isto, há relatos sobre como os limites legais para a exposição a radiação ionizante foram violados, por vezes apresentando até dez vezes a radiação esperada. Então mesmo que a CNEN estabelecesse um limite em sua norma, seria difícil garantir que esse limite fosse sempre ser respeitado.
Mesmo que o limite fosse respeitado e verificado, é importante observar que, como a tecnologia de scanners corporais por retrodifusão de raios-x concentra energia na superfície do corpo, em vez de ser distribuída por todo o corpo, a dosagem efetiva para a pele poderia ser ainda maior. Alguns pesquisadores da Universidade da Califórnia, São Francisco (UCSF) argumentaram em uma carta aberta ao Assistente ao Presidente para Ciência e Tecnologia em abril de 2010:
A dosagem de raios-x desses dispositivos é frequentemente comparada na mídia à exposição aos raios cósmicos inerentes às viagens de avião, ou ou àquela de um raio-x toráxico. Contudo, essa comparação é muito enganosa: ambas as exposições aos raios cósmicos em viagens e a do raio-x toráxico possuem energias muito mais altas de raios-x e as consequências para a saúde são apropriadamente conhecidas em termos do volume de corpo inteiro. Em contraste, esses novos scanners de aeroportos estão principalmente depositando sua energia na pele e tecidos imediatamente adjacentes e como essa é apenas uma pequena fração do volume/peso do corpo, possivelmente por uma ou duas ordens de magnitude, a dose real na pele agora é alta.
Eles também se preocuparam com a possibilidade de defeitos no equipamento provocarem picos na dose energética que poderiam ser nocivas para a pele humana:
Como esse dispositivo pode escanear um humano em poucos segundos, o feixe de raios-x é muito intenso. Qualquer oscilação de força a qualquer ponto no hardware (ou ainda mais importante, no software) que pare o dispositivo poderia causar uma dose intensa de radiação em um ponto da pele.
Se a segurança da tecnologia de scanners corporais de retrodifusão de raios-x é frequentemente questionada, isso não significa que o outro tipo de scanner corporal é seguro.
Scanners de onda milimétrica emitem radiação não ionizante na faixa de comprimento de onda do milímetro, que é um subconjunto da radiofrequência (RF) das microondas. As microondas afetam moléculas de água e, dependendo da spectrum. Microwaves react to water molecules and, depending on the densidade de energia, poderia aquecer os tecidos epiteliais ou oculares e causar queimaduras em potencial. Embora um estudo de 2001 não tenha encontrado evidência de carcinogênese em animais provocada pela RF de 94 GHz, um estudo de 2009 financiado pelo National Institute of Health, conduzido pela Divisão Teórica dos Laboratórios Nacionais Los Alamos e Centro de Estudos Não Lineares do Departamento Estadunidense de Energia e pela Harvard University Medical School descobriu que
uma exposição à radiação específica de terahertz pode afetar significativamente as dinâmicas naturais do DNA, e com isso influenciar os processos moleculares intrincados envolvidos na expressão genética e replicação do DNA.
Ondas milimétricas também estão presentes no WiGig, também conhecido como Wi-Fi de 60 GHz. Um estudo recente descobriu que ondas milimétricas de 60 Hz poderiam causar lesões nos olhos.
Questões de privacidade e vazamentos de dados
Usar um scanner de corpo inteiro tem sido comparado por especialistas em segurança como similares a uma revista íntima. O procedimento pode ser descrito como
uma revista íntima virtual que revela não apenas as nossas partes íntimas do corpo, mas também detalhes médicos íntimos como bolsas de colostomia.
Ele também pode ser especialmente vexatório para pessoas que precisam usar próteses e provocar discriminação contra pessoas transgênero.
A Comissão de Igualdade e Direitos Humanos do Reino Unido argumentou, em 2010, que os scanners de corpo inteiro representavam um risco aos direitos humanos e poderiam estar quebrando a lei. Como até mesmo crianças são sujeitas ao procedimento, um tribunal britânico decidiu que escanear os corpos de crianças viola as leis do Reino Unido contra pornografia infantil:
A decisão decisão foi seguiu um aviso de Terri Dowty, da Action for Rights of Children, que os scanners poderiam violar a Lei de Proteção das Crianças de 1978, sob a qual é ilegal criar uma imagem ou “pseudo-imagem” indecente de uma criança.
Há ainda a preocupação em relação ao armazenamento e possíveis vazamentos de imagens. A ACLU argumenta que
a máquina constitui uma invasão de privacidade, já que ela pode mostrar imagens gráficas de corpos nus e o seu uso pode sedimentar o caminho para o amplo abuso das imagens capturadas, com algumas possivelmente sendo postadas ou comercializadas na internet.
Em 2012, a TSA decidiu descartar as máquinas Rapiscan depois que a OSI Systems supostamente falhou em torná-las “menos reveladoras”. Ela implantou novos scanners corporais em seu lugar que em vez de uma imagem de corpo nu, supostamente somente mostraria na tela uma figura modelo de um boneco, indicando partes do corpo para subsequente revista. Embora a TSA insistisse que os scanners não armazenam as imagens de nudez originais geradas pelos dispositivos, um termo de referência de licitação da TSA, obtido pelo Electronic Privacy Information Center por meio da Lei de Acesso à Informação (FOIA, na sigla em inglês) revelou que eles exigem, sim, que os fabricantes dos scanners corporais forneçam as funções para armazenar e transmitir essas imagens. Mais tarde veio à tona que as máquinas gravavam e armazenavam mesmo as imagens completas do escaneamento corportal. Em resposta a isso, a TSA alegou que elas só eram usadas
para “propósitos de testes, treinamento e avaliação.” Entretanto, a TSA também admitiu que não há nada que impeça que esse “modo de testes” seja ativado durante o uso regular.
Ainda assim, apesar dessas alegações, a Politico reportou que um ex-agente da TSA confessou que, sim, o scanner não funcionava, mas deixava ver você nu:
Nós rapidamente descobrimos que o treinador não estava brincando: os oficiais descobriram que as máquinas eram boas para detectar quase de tudo além de explosivos e armas sagazmente escondidos. A única coisa mais absurda que o péssimo desempenho dos scanners de corpo inteiro era a incrível quantidade de tempo que as máquinas desperdiçavam a todos.
Para piorar, alguns agentes faziam, segundo o relato, olhar e rir ao ver as pessoas nuas:
Muitas das imagens que nós fitávamos boquiabertos eram de pessoas obesas, com cada uma de suas dobras e rugas à completa e medonha mostra. Piercings de todo tipo ficavam visíveis. Mulheres que tiveram mastectomias eram fácil de discernir-seus seios apareciam em nossas telas como regiões opacas pixeladas. Hérnias apareciam como bolhas protuberantes deformadas na região pélvica.
Em 2010, o Gizmodo investigou o uso de scanners corporais pelo US Marshals Service e obteve, por meio de um pedido via FOA, uma amostra de 100 imagens de nudez corporal de um total de 35.000 que eles haviam obtido e armazenado por meio da máquina. Isso foi citado como evidência que as máquinas instaladas nos aeroportos e prédios públicos são de fato capazes de armazenar as imagens originais. Se as imagens são armazenadas, sempre há o risco delas vazarem e exporem as pessoas que tiverem sido a ela sujeitadas.
Categorias de scanners propostas pela CNEN
O tipo de scanner corporal por retrodifusão de raios-x usa raios-x, uma forma de radiação ionizante que tem efeitos conhecidos nas células humanas e aumentam o risco de se desenvolver câncer. O tipo de scanner corporal que a CNEN pretende permitir é um que opera com radiação ionizante. Na consulta pública eles estão divididos em duas categorias:
- sistemas de uso geral, para equipamentos que expõem as pessoas a uma dose de radiação ionizante de até 0.1 µSv por inspeção
- sistemas de uso limitado, para equipamentos que expõem as pessoas a uma dose de radiação ionizante acima de 0.1 µSv por inspeção
A diferença entre essas duas categorias é que, na de “sistemas de uso geral”, somente indivíduos do público que tiverem dado consentimento explícito por escrito podem ser revistadas. No entanto, para “sistemas de uso limitado”, além de ter uma dose maior de radiação ionizante, não é necessário nenhum consentimento. A norma também exigiria que os operadores, nesse caso, mantivessem um registro da dose anual à qual essas pessoas forem expostas.
Essas disposições podem significar que o primeiro tipo de sistema seria aplicado ao público em geral, ao passo que o segundo seria destinado ao sistema prisional, mas isso é mera especulação.
Uma proposta sem sentido
Em suma, o tipo de tecnologia de scanner corporal que a CNEN está propondo é caro, ineficaz, oferece riscos sérios à saúde, invade a privacidade corporal das pessoas e foi abandonada pelos Estados Unidos e Europa há mais de uma década. Não faz nenhum sentido porpor trazê-lo ao Brasil neste momento.
Isso faz imaginar quem está fazendo lobby com a CNEN a favor dessa coisa e quanto eles teriam a ganhar, quando essa tecnologia cara e ineficaz for licitada.
O que eu posso fazer para impedir?
Conscientize, conte aos seus amigos, colegas e conhecidos, compartilhe em mídias sociais, mencione todos os problemas e perigos associados aos scanners corporais.
É importante também deixar comentários na consulta pública deixando claro que usar esses dispositivos no Brasil não é aceitável articular as razões para isso. Este artigo contém muitas explicações e referências que podem embasar a rejeição imediata dessa proposta descabida. A consulta permanece aberta até este domingo, dia 19 de abril de 2023.
Editado (2023-03-15): corrigida a data da consulta, que termina em abril, não março havia escrito antes.