Cadência e estética: coisas estranhas que moldam artigos de maneiras inesperadas em línguas latinas

imagem: Daniel Cañibano / Unsplash

Como um aspirante a poliglota e linguista amador, às vezes eu encontro semelhanças curiosas entre regras gramaticais em idiomas diferentes. Uma, em particular, frequentemente surpreende estudantes quando eles a encontram pela primeira vez, especialmente se o seu idioma nativo não tiver algo assim (por exemplo, o português) ou se nem mesmo tiver artigos (como é o caso de muitas línguas eslavas, como o russo).

Quando se aprende outras línguas, uma das primeiras coisas que se aprende é que os substantivos muitas vezes têm um gênero diferente do respectivo na sua língua natal. Então você precisa memorizar o gênero dos substantivos e praticar muito. Também se aprende que é preciso usar os artigos, os pronomes e frequentemente os adjetivos de acordo com o gênero do substantivo (o que é algo estranho para falantes de inglês).

Então, eis que você se depara com coisas como

El agua está fría.

em espanhol, que significa “a água está fria”. Aqui o substantivo “agua” (água) é feminino, o que concorda com o adjetivo feminino “fría” (fria). Mas o artigo usado aqui “el” (o) é masculino, em vez do feminino la. Como assim?

Ou

Mon amie est intelligente.

em francês, que significa “minha amiga é inteligente”. Da mesma forma, o substantivo “amie” (amiga) e o adjetivo “intelligente” (inteligente) são femininos. Aqui, o pronome possessivo “mon” (meu) é masculino, em vez do feminino ma. Muito confuso para iniciantes no francês, de fato.

Mas como assim?

Cubos de gelo jogados em um copo de água límpida e potável.

Eu não me importo qual é o gênero da água, eu só quero um copo dela, e fria (crédito da foto: Lanju Fotografie no Unsplash).

Alterando gêneros para soarem “certo”

Para hispanofalantes, “la agua” não soaria correto e, para francófonos, “ma amie” soa feio por algum motivo. Cada idioma tem sua própria cadência e fonemas que não vão bem juntos. Esses são alguns exemplos disso. Eles tendem a evitar juntar vogais em palavras adjacentes, então dir-se-ia

Mon école est nouvelle.

(minha escola é nova), com o pronome possessivo masculino “mon” em vez do feminino “ma” (my), mesmo sendo “école” (escola) um substantivo feminino. Entretanto, se a próxima palavra não começar com uma vogal, deve-se usar “ma” no lugar:

Ma nouvelle école est incroyable.

(minha nova escola é incrível).

Silhueta de uma mulher fazendo uma pose de pulo em um corredor de uma escola.

Eu não sei o quão legal essa escola é, mas ela certamente parece estar entusiasmada com ela (crédito da foto: Mesh no Unsplash).

Muitos tipos de artigos definidos

Algumas vezes não é o gênero dos artigos que muda por causa do começo da palavra seguinte, mas um tipo completamente diferente de artigo.

O italiano tem artigos definidos masculinos diferentes para o singular, “il” e “lo” (mais, se você contar “l’ ”, que é uma elisão ou de “lo” ou de “la”, sendo que este último é feminino). Para o plural masculino, há dois: “i ” e “gli”. Sempre que um substantivo masculino começa com um z, um s seguido de uma consoante ou gn, bem como alguns outros grupos menos comuns de consoantes, usa-se “lo” para o singular e “gli” para o plural. Este último é usado também para os plurais quando a próxima palavra começa com uma vogal.

Por exemplo:

Gli animali sono grandi.

(os animais são grandes). Se você arrumar a ordem das palavras de maneira que a próxima palavra não comece com uma vogal, você fica com o mais comum “i” para o plural:

I grandi animali sono qui.

(os grandes animais estão aqui).

Uma girafa no Zoológico Taronga olhando para a Ópera de Sydney.

Os grandes animais estão aqui e eles parecem gostar de ópera (créditos da foto: Thandy Yung no Unsplash).

Se qualquer outra palavra que começa com uma vogal entrar na frente, é hora de “gli” outra vez.

Gli altri animali sono qui.

(os outros animais estão aqui).

Isso tem a ver com a cadência do idioma italiano. A cadência é a maneira que os sons no discurso criam um certo ritmo. Em italiano, os sons de vogais e consoantes alternam entre si. Então soaria estranho ter consoantes demais ou vogais demais amontoadas juntas.

Curiosamente, contudo, nem sempre foi assim. Escritores italianos conhecidos usaram as formas “il ” e “i ” de maneiras que hoje seriam consideradas incorretas:

Hoje dizemos com desenvoltura lo zio (o tio), lo zappatore (o escavador), uno spergiuro (um perjúrio), gli stemmi (os brasões de armas), gli zeffiri (os Zéfiros), gli zaini (as mochilas), uno iettatore (um bobo da corte), etc., todavia escritores famosos nos entregaram: il zio (Cesari), il zappatore (Leopardi), un spergiuro (Berchet), i stemmi, i zeffiri (Foscolo), i zaini, un iettatore (D’Annunzio). Uma longa guerra que “durou séculos” foi travada entre as duas formas de artigos definidos e indefinidos diante de consoante: il ou lo?, i ou gli?, un ou uno?

Corriere della sera – Dizionari: Il oppure lo? Si dice o non si dice?

A regra atual no idioma italiano codifica quais sons parecem agradáveis aos ouvidos italianos, algo que os linguistas chamam de eufonia.

É notável como razões estéticas (i.e. eufonia) tendem a colocar muitas exceções às regras nos idiomas. Isso acontece não somente em línguas latinas, mas está presente em idiomas de outros ramos também. Em inglês, a regra para artigos indefinidos é para se usar “a” antes de consoantes e “an” antes de vogais. Entretanto, se a primeira letra da próxima palavra é uma vogal que soa como consoante, em vez disso deve-se usar “a”. Por exemplo, como o u em “university” soa como um y quando pronunciado, não se diz “an university”, e sim “a university”.

Enfim, estudantes de idiomas inevitavelmente cairão nas armadilhas do excepcionalismo da eufonia e da cadência quando o encontrarem pela primeira vez. Por outro lado, a experiência e as sensações estranhas ao encontrá-las também ajudarão a lembrar e a internalizar essas exceções no fim das contas. Após um pouco de prática elas parecerão naturais antes que se perceba.